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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Minha mãe Betty e o mal de Alzheimer...

Olá pessoal, recebi  um depoimento lindo de doação de amor entre filha e mãe portadora da doença de Alzheimer, onde a filha foi FILHA e cuidadora durante anos.  Nos anos em que tudo se passou   eu ,Inajara nem imaginava o que era esta doença. Infelizmente, pois poderia te-la ajudado de alguma forma pois um cuidador precisa muuuuito de ajuda.  Aqui acredito que iniciou minha curiosidade  e estudo pela doença .
A tarefa de cuidar de alguem geralmente se soma as outras atividades do dia a dia, sobrecarregando esse cuidador, acrecenta-se isso ainda o peso emocional da doença que incapacita e traz sofrimento a uma pessoa querida. Diante desta situação é comum o cuidador passar por casaço físico, depressão, confusão de sentimentos, alteração na vida conjugal e familiar. É necessário preparo físico e psicológico para exercer esta atividade somada a tantas outras e é absolutamente humano não aguentar mais desepenhar esta função
Posso dizer pela prática com diversos cuidadores que sentimentos diversos  como raiva, desespero, medo e muitos outros não imaginaveis muitas vezes aparecem quando estamos exercendo o cuidar com tanto afinco como foi o seu Elke. E aceita-los, fazem parte desta vivência pois são todos sentimentos naturais diante de tal situação. Em algum momento que talvez não tenha acarinhado a face de sua mãe , o cansaço estava presente, a preocupação com os demais familiares estava tambem presente e muitas outras preocupações e afazeres. Como você mesma disse ela gostava de carinho nas bochechas, e você sabe disto pois ja o fez e obteve uma resposta positiva dela, não é mesmo? Então você não deixou nunca de ser filha e mais cuidadora !!   Abraço enorme em seu coração! Inajara

Meu nome é Elke Marem Zappa e gostaria de relatar minha vivência na doença de Alzheimer com minha mãe, pois pode ajudar muitas pessoas que se encontram na mesma situação.

Bem, creio que os sintomas começaram aparecer em 1994, mas tiveram inicio talvez após a morte de meu pai em 1990, pois mexeu muito com ela.


Sendo que ela morava sozinha em Goiânia e eu em Blumenau - Santa Catarina não pude constatar o verdadeiro início. Somente em 1994, quando ela não encontrava algumas coisas em seu apartamento e me ligava dizendo bem brava que eu havia roubado a tal coisa é que comecei a desconfiar de algo, mas não de Alzheimer. Na época ainda não havia lido muito a respeito. Nesta época minha mãe tinha 78 anos, quando meu pai morreu, ela tinha 74 anos.

Em 1995 fui para Goiânia fazer a mudança da minha mãe para Blumenau. Era para ela fica em casa conosco, mas ela se revoltava com a rotina da minha família. O ambiente ficou difícil e ela quis mudar para um apartamento residencial apart. hotel que tínhamos para aluguel e no momento estava desocupado. Era todo mobiliado e com serviço de quarto.

Foi o primeiro ano dela em Blumenau, posso dizer que foi bom. Eu ia lá de manhã cuidava do café, se ela não tinha feito, comprava comida que ela gostava. No almoço eu voltava com o almoço. Lá pelas 16:00 h estava lá novamente para o café da tarde e ficava até o começo da noite. Comprei-lhe um radinho pequeno que ela podia levar para cama e escutar músicas alemãs, isto foi muito bom para ela, sua nacionalidade era alemã, veio para o Brasil na segunda guerra. Neste ano ela saiu algumas vezes comigo no Shopping, cafeteria e em casa, mas aos poucos não queria mais sair. Fui com ela na médica e ela me falou a respeito do Alzheimer e a artrose generalizada. E assim fui cuidando dela no passar dos anos.

Na casa em frente ao apartamento existia um cachorro rajado, com peito branco, patinhas e a ponta do rabo também brancos. Minha mãe gostava de conversar com ele. Um tempo mais a frente ela já não levantava da cama, eu ficava na janela contando o que se passava na rua e principalmente o que “weipfo” tchen “(patinha branca) estava fazendo, era como chamávamos.

Eu cortava os cabelos dela e ela me pedia para guardar em um saco, e não jogar fora. Um dia arrumadeira achou que era lixo e levou embora. Minha mãe a fez revirar o lixo todo e trazer o cabelo de volta. Outra feita foi: deixei um pedaço da torta floresta negra que ela tanto gostava e ela não lembrava onde ficava a gaveta de talheres, e comeu o bolo com as mãos mesmo. Quando cheguei-a teve que enfrentar um banho, o que ela não gostava! Enfim o 1° ano não foi muito difícil. Neste ano eu dormia lá no sofá para amanhecer no domingo lá. No decorrer do 2° ano eu não fazia mais isso. Por quê? Não sei!

Neste 2° ano começou a ser necessário o uso de fraldas, e ela concordava que colocasse, mas no outro dia de manhã la estavam às fraldas no chão e a cama suja. Demorou um pouco, mas ela acabou aceitando ou acostumando. Tentamos uma cadeira de rodas para o banheiro, mas não dava tempo de chegar até lá, então a colocamos ao lado da cama com um balde em baixo, mas também não deu certo. Uma vez ou outra ela ainda procurava levantar sozinha, mas geralmente no retorno não acertava a cama e caia ao lado dela (ela queria ser independente e não me esperava chegar) . Foi mais ou menos do segundo para o terceiro ano que ela teve uma grande crise de revolta, dizendo que me odiava que eu queria que ela fizesse tudo do meu jeito, não queria mais me ver. Meu marido Carlos teve um trabalhão para convencê-la a me aceitar, que era tudo pro bem dela.

Daí pra frente ela esperava eu chegar, mas como dormia muito eu usei um passarinho de pilha que a Ina me deu , ele tem um sensor que quando tocamos nele ele canta . Usei ele para acordá-la suavemente sem susto. Batia com o dedo na gaiolinha e ele: piu piu!!! Então minha mãe dizia – Elke chegou! Nesta época percebi que ela estava praticamente cega.

O banho apartir deste 2° ano se tornou muito complicado, talvez também porque eu sozinha não dava bem conta do peso dela. Passei a dar banho de gato na cama. Usei muitas vezes o banho seco ou quase que se compra em lojas de material hospitalar. O rosto, pescoço, mãos,braços, axilas e partes íntimas eram lavadas todos os dias. Conforme ia lavando já enxugando. A fralda eu tirava só após a higiene completa,assim mantinha a cama seca e minha mãe limpa. Na hora de lavar rosto, pescoço ... sempre colocava uma toalha que trazia de casa por baixo.

No decorrer do 3° ano ela não sentava mais para comer, coisas que poderiam causar engasgos eu não dava mais, ela não comia mais sozinha. Para beber eu comprei uma daquelas xícaras fechadas de criança com tampa,bico com três buraquinhos.

Ela ainda se interessava pelo que eu via da janela (o cachorro), por piadas que eu lia de um livrinho em alemão (sempre as mesmas), música alemã.

Mas já se aproximando do 4° no que ela estava em Blumenau, me perguntava se ela tinha morrido, como se chamava, se tinha filhos, não acreditava que eu era a Elke filha dela. “Não você não é minha Elkezinha!” dizia ela. Não insisti em tentar convencer ela do contrário. Dizia que o marido chamava Thomas e não Evaldo (meu pai).

Tivemos que comprar uma cama hospitalar com grades. Ficava mais fácil para mim, pois trocar ela , a roupa de cama com ela em cima, curvada segurando com a minha mão, estava complicado. Nesta época ela ainda podia se segurar na grade enquanto eu arrumava um lado depois o outro.

Num momento de lucidez ela disse algo que até hoje me vem na lembrança: “Quando eu não estive mais aqui você vai ter saudades dos momentos de alegria, de risadas, de café com bolo que tivemos juntas.”. Sim , e procuro não lembrar dos momentos difíceis e tristes.

Creio que às vezes ela sentia o ser difícil viver assim confinada na cama, Pois várias vezes ela me pediu para trazer remédios que tomasse para morrer. Nesta época eu freqüentava uma casa espírita “Fé, amor e Caridade” onde aprendi, que enfermos às vezes vegetam assim para depurar o espírito, não partir para o outro lado com ódios, rancores, desejo de vingança, apego material etc.. eles esqueciam tudo isso.

O 5°ano foi bem difícil, minha mãe não se lembrava mais de nada. Para trocar e limpar ficou difícil, pois ela não colaborava mais. Eu segurava ela com minha cabeça para trocar e limpar. Só comia comida semi líquida. Ainda esboçava um sorriso com a música alemã e passou a ter visões. Ora coisas boas, principalmente uma menininha de vestido veludo vermelho que sentava na cama e lhe dava bolacha para comer e chá para tomar. Ela fazia gesto de pegar a xícara e a bolacha. Ou via a bola luminosa que voava pelo quarto, ou os galhos de uma arvore que ficava atrás da cama e a brisa balançava.

Ora coisas assustadoras como pessoas estranhas com cabelo vermelho ou mulheres com lenço amarrado na cabeça que ameaçavam ela. Só ela via tudo isso e eu não podia intervir neste momentos para não assuta-la mais. Eu ficava rezando pedindo a DEUS que fizesse desaparecer as aparições , e desapareciam, então minha mãe ficava calma e meio apática novamente. Nesta época eu conversava muito em espírito com ela, pedindo que me perdoasse se fiz algum mal para ela em algum dia e perdoando o que ela talvez me tivesse magoado. Uns quatros dias antes de ela falecer, ela cerrava com força a boca cada vez que eu pretendia lhe dar qualquer coisa, seja água, suco, gelatina. A Dra. havia me dito que ela morreria com pneumonia por causa da inércia. E foii assim mesmo.De uma hora pra outra deu pneumonia, com falta de ar e chiaço no peito e em questão de horas a vida dela se apagou.

Minha mãe em vida havia me pedido que não a ligasse a nenhum fio ou sonda para manter sua vida, e assim foi feito.

Quando tudo passou me senti de dever cumprido, apesar de muito tempo ainda me sentir disponível para cuidar da minha mãe como se ela ainda tivesse presente. Mas analisando muitos anos depois, creio que fui mais cuidadora do que filha. Deveria em vez só de pentear seus cabelos, fazer também cafuné, em vez só de limpar seu rosto e olhos. Carinhar suas bochechas como ela gostava, em vez de só lavar suas mãos e cuidar da unhas, segurar as mãos com carinho nas minhas.

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